Simuladores – DCS: Mirage F1
De vez em quando, surge no DCS World um daqueles aviões exóticos que, de outra forma, provavelmente nem iríamos prestar atenção. Mas, ainda bem que a Aerges Engineering nos traz o DCS: Mirage F1.
Ainda bem, porque ficariam surpreendidos com a dimensão da comunidade multi-jogador dedicada às aeronaves da era chamada de “Guerra Fria”. Ainda bem, porque estamos a chegar ao limite das possíveis aeronaves modernas para serem recriadas neste simulador. Ainda bem, porque a Arges, sediada em Espanha, tem acesso a pilotos e outros especialistas que operaram esta aeronave na Força Aérea Espanhola. Ainda bem, porque é sempre bom descobrir uma plataforma diferente, menos “facilitada”, menos automatizada, mais exigente, mais analógica e “manual”. É outro desafio que, honestamente, procuro cada vez mais no DCS World
A história do Mirage F1 é bastante interessante. Criado como avião de intercepção para o Armée de l’Air, papel que desempenhou exemplarmente desde o seu inicio de operação em 1973, só foi ultrapassado mais tarde pelo mais evoluído Mirage 2000 em 1984. Nessa altura, o resiliente F1 não abandonou os céus, passou para outros papéis, principalmente para o de reconhecimento aéreo, facilitado pela sua velocidade e autonomia. Pelos países por onde passou, ainda teve diversas variantes, inclusive de ataque ao solo, tornando-se uma plataforma verdadeiramente polivalente.
Cerca de 720 Mirage F1 foram fabricados e muitos deles ainda voam, fruto da fiabilidade da sua construção e do seu motor SNECMA Atar 9K-50. O papel mais conhecido do F1 é o de Agressor ao serviço da empresa mercenária Draken, até à pouco tempo sediada em Nellis, EUA. Contudo, este Mirage F1 passou por vários palcos de conflito, até mesmo nas recentes guerras do Iraque, Afeganistão e Mali. Pelo seu serviço exemplar, este foi um óptimo avião de combate, mesmo sem a tecnologia mais avançada do seu sucessor M2000.
A Dassault Aviation concebeu mais de 10 variantes desta aeronave para servir, tanto as forças armadas Francesas, como as estrangeiras. A mais produzida foi a variante C, aquela que a Aerges decidiu modelar em primeiro lugar. A que recebemos nesta primeira fase é o F1-CE, a variante operada pela Força Aérea Espanhola, tendo sido abatida ao serviço em 2013. Contudo, a Aerges planeia criar também outras variantes Espanholas: o F1-EE (polivalente), o F1-BE (assento duplo), assim como a versão F1-M com ecrãs LCD, HUD e aviónicos modernizados, integração de navegação com GPS e outras melhorias.
Por agora, cá está o F1-CE, um avião elegante, que dispensa o desenho de asa em delta do seu antecessor Mirage III, preferindo um design mais convencional em flecha, além de uma maior envergadura a pensar na autonomia e carga, além de um trem de aterragem maior para operar em aeródromos mais remotos e improvisados. Este trem, aliás, dá-lhe um aspecto peculiar, parecendo um “perna longa”, especialmente quando está desarmado. Mas, desenganem-se se pensam que é um avião “desajeitado”. Em muitos aspectos vai surpreender muita gente pela positiva.
O seu radar Thomson Cyrano IV é um pouco arcaico em aspecto e funções, contudo é capaz de rivalizar com alguns radares modernos em termos de fiabilidade e alcance. Nas asas, o F1 é de carregar mísseis guiados por sensor térmico (inclusive AIM-9 Sidewinder) ou os temíveis Matra R530 guiados por radar ou infra-vermelhos. Típico dos Mirages, tem um canhão duplo de 30 mm muito preciso e ainda pode carregar mais de seis toneladas em armamento ar-chão ou tanques de combustível. Garras não lhe faltam, resta saber se tem piloto a bordo…
É que este é um avião com muita “personalidade”. Ao contrário de muitos aviões da sua era, não se sente que “anda sobre carris”, obrigando a constantes ajustes, muito por causa do seu “nervosismo” a manobrar e das suas limitações estruturais. Diria que é um tanto reactivo demais nos controlos, algo que poderá levar a extremos de agilidade para alguns, potencialmente provocando reacções inesperadas. É muito fácil ultrapassar limites aerodinâmicos ou estruturais, dada a falta das protecções de envelope que estão habituados a ter em aeronaves mais modernas.
Para a sua era, porém, é um avião bastante avançado. O seu radar, como já disse, é bastante capaz, o seu RWR é muito simples mas muito eficiente e, de um modo geral, o piloto automático, o seu HUD e até os seus flaps semi-automáticos são grandes avanços nesta era em particular. No DCS, o seu equivalente contemporâneo será o DCS: F-5 Tiger II e, honestamente, o Mirage F1 é uma aeronave francamente mais capaz em quase todos os sentidos que o pequeno Tigre. Nem que seja na quantidade de “presentes” que pode entregar aos inimigos.
Se já voavam o DCS: Mirage 2000, seria de esperar encontrar alguma familiaridade possível. Muitos elementos são, digamos, semelhantes, contudo, não terão realmente muitos paralelos, com excepção do mítico horizonte artificial, alguns instrumentos ou armamento comuns, algumas lógicas e posições de comandos mais ou menos no mesmo sítio e pouco mais. De realmente semelhante, tem a alcunha “Mirage” e o facto de serem fabricados em França, com a documentação repleta de “arrét” e “marche”. De resto, são aviões realmente distintos.
Na operação Ar-Ar, o F1 é um avião bastante rápido a chegar onde deve, a velocidades tão elevadas como Mach 2. Uma vez na área, porém, o F1 luta um pouco para fechar círculos de combate, muito por causa da sua envergadura e limitações de motor e de estrutura. É, claramente, um avião para ataque à distância, não propriamente para algo tipo “BVR” (Beyond Visual Range) mas para algo ali no meio termo. Um interceptor com capacidade de abater aeronaves com alguma distância, em especial bombardeiros, é onde está claramente à vontade.
Quando tentamos puxar por ele para entrar num “dogfight” contra algo mais ágil, rapidamente percebemos que este avião não foi feito para combates mais próximo. É competente com os seus mísseis Magic II/Sidewinder e canhões mas não esperem ganhar muitos duelos assim. O avião perde muita velocidade a manobrar nos ápices de performance, obrigando a usar mais a sua velocidade, do que propriamente o seu rácio de volta. A limitação visual do cockpit também não ajuda muito neste tipo de combate. Se puderem, evitem chegar próximo do inimigo, especialmente se este voa algo com mais “genica”.
No combate Ar-Chão, considero o Mirage F1 um bom compromisso sem fazer grandes feitos. É óbvio que há plataformas muito mais competentes para este fim no DCS World. Carregar bombas e foguetes para atacar alvos hostis, tem de ser algo pontual e orquestrado, já que este avião só pode largar munição “free-fall” ou não guiada. É qualquer coisa de fantástico fazer uma intrusão a baixa altitude em velocidades supersónicas, largar bombas em carpete por cima de uma SAM e esta nem sequer ter tempo para reagir. Não é inédito, mas o Mirage F1 faz isto com muita elegância.
Assim, podemos dizer que o Mirage F1 faz um pouco de tudo, sem ser realmente exemplar em nenhum pormenor. É quase sempre assim num avião considerado polivalente. Mesmo que este aparelho tenha sido desenhado com um papel muito claro na sua génese, no DCS World é mesmo um caça “multi-role”. Na era que designamos de “guerra-fria”, muitos aviões foram concebidos assim, criados para um fim, adaptados para a realidades do momento. E no DCS World encaixa-se muito bem, já que queremos usá-lo na inteireza do que o simulador permite.
O trabalho da Aerges com este avião é realmente exemplar. Sou fã do seu DCS: C-101 Aviojet, então desenvolvido ainda com a empresa a chamar-se Aviodev. Aqui, temos o mesmíssimo rigor a recriar o modelo visual externo e o cockpit com uma insana quantidade de detalhes, inclusive desgaste e sujidade normais deste tipo de aviões. Também há bastante rigor a criar o modelo de voo, algo que pode ser perfeitamente constatado nas tabelas de performance do avião real. As margens de velocidades, rácios ou consumos são precisas quanto baste para uma simulação deste género.
Visualmente, apenas tenho a ressalvar alguma escuridão acima do desejável do cockpit, seria bom “clarear” um pouco os painéis. Nada que não se resolva num futuro update ou até com algum mod que surja por aí. Também achei que os danos exteriores precisam de aprimoramento, o áudio podia ser melhor (é notório um loop no ruído do motor, por exemplo) e há uma ligeira quebra de performance sempre que se usa o radar. Tenho de recordar que este módulo foi lançado na Open Beta do DCS e todo o trabalho está ainda em progresso. Estou certo que a produtora vai atingir o nível de qualidade exigido pela comunidade.
A nível do que recebemos como “pacote”, temos um bom manual para explicar como operar este avião tão peculiar, incluindo tabelas de performance para comprovarem a precisão do modelo de voo e um guia de iniciação rápido para os menos pacientes. Temos também várias missões de contacto e de combate, assim como lições de operação para elementos mais básicos. De um modo geral, graças à facilidade de operação geral e a este pacote de extras, não terão dificuldades a aprender a voar o Mirage F1.
Veredicto
O DCS: Mirage F1 da Aerges Engineering é um óptimo exemplo que não precisamos de uma aeronave moderna para voar com qualidade no DCS World. O seu desafio é bastante bem vindo, com uma simulação verdadeiramente imersiva de um avião que, de outra forma, provavelmente, nunca travaríamos conhecimento. Se gostam de aviões da “guerra-fria” que são autênticos “canivetes-suiços” para vários tipos de operação, se gostam de cockpits cheios de “relógios” e um comportamento “nervoso”, este é o módulo que devem comprar. Apenas não se esqueçam que é… “work in progress”.
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Este software foi testado através de uma versão experimental em acesso antecipado, e foi gentilmente cedido pela Aerges Engineering. Sendo uma versão experimental, muitas das características, bugs, erros ou faltas assinalados poderão sofrer alterações até ao lançamento.
Se desejarem conhecer a comunidade Portuguesa que treina e voa regularmente no DCS World, visitem a pagina DCS World – Portugal no Facebook e o canal de Discord da Esquadra 701. Parte das imagens que usamos neste artigo foram criadas neste grupo.
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