Comunidade “Indie” em choque com manobra comercial de Unity
O motor gráfico Unity tem sido amplamente escolhido por produtores independentes para as suas criações. Contudo, é bem possível que esta preferência mude por causa de uma nova taxa cobrada aos produtores.
Chama-se “Runtime Fee” e pretende cobrar aos produtores que criem e distribuam jogos criados no Unity, por cada utilização. Ou seja, ao invés de cobrar “royalties” por cada venda, a prática mais comum nos acordos de utilização dos motores gráficos, John Riccitello e companhia querem cobrar por cada vez que o jogo é instalado pelos jogadores.
A medida só entrará em vigor a partir de 1 de Janeiro de 2024 e só deverá accionar se o jogo ultrapassar uma margem mínima de lucro. Para utilizadores de nível Unity Personal (gratuito) e Plus, a margem é 200 mil dólares, mas nos níveis Unity Pro e Enterprise é de 1 milhão de dólares. Ultrapassado esse patamar, as cobranças variam por número de instalações, mas no caso do Personal e Pro, é sempre cobrado 0,20$ por instalação. Pode não parecer muito mas há aqui uma “mina de ouro” potencial.
É que esta é uma cobrança passiva e, aparentemente, vitalícia que não leva em conta o custo a longo prazo de um jogo, assumindo que continue a ser jogado sem limite no futuro. Para um estúdio pequeno com orçamento limitado, usando uma conta gratuita de Unity, chegar aos 200 mil dólares de lucro pode ser um feito. Mas, depois disso, a margem potencial de lucro começa a ser delapidada, porque é fixa e não depende de vendas.
O que mais parece irritar os produtores, é que esta taxa é retroactiva. O que significa que os jogos já lançados serão também sujeitos a pagar os valores. Ora, isto é uma alteração contratual, unilateral e pode abrir um sério precedente para outras empresas fazerem o mesmo, retroactivamente cobrando por jogos já lançados. É até duvidoso que esta manobra seja legal, já que quebra o próprio contrato original.
Se não, vejamos. O rival Unreal Engine, cobra 5% do valor das vendas, após um lucro mínimo de 1 milhão de dólares. Ou seja, os produtores só pagam à Epic Games estes 5% no acto das vendas, isto apenas depois de facturarem 1 milhão de dólares do seu jogo. Pode ser um montante elevado mas é preciso recordar que os preços reduzem com o passar do tempo e ainda sofrem promoções, agilizando estas margens. Se nunca mais vender, a empresa não deve nada à Epic.
Neste caso, o Unity nunca será afectado pelos valores de vendas ou pelas inflações de preços. Cobrará sempre o mesmo valor, depende apenas que, um dia, um jogador decida instalar o jogo. Isto, para todos os jogos jamais lançados com o runtime Unity… para sempre. Pior, há lojas online que oferecem jogos, as produtoras cedem-no a preço reduzido para que seja oferecido aos jogadores e ainda terão de pagar por isso de cada vez que alguém o instalar.
Pode ser, de facto, uma manobra injusta para vários estúdios, especialmente para produtores “Indie” mais humildes que dependem de orçamentos mais baixos. Há até quem tema “ataques” especializados em fazer instalações em massa para prejudicar outros produtores. Pode ser algo remoto e fruto de alguma teoria da conspiração mas, se pensarem bem, é mesmo possível. Esta é uma indústria muito hostil e cheia de rivalidades, pode muito bem acontecer.
E, de facto, convenhamos que ninguém ganha dinheiro por cada instalação de um jogo. Se os produtores ganhassem por cada instalação, faria sentido cobrar-lhes uma percentagem desse lucro. Mas, não é o caso. A longo prazo, um jogo pode muito bem valer menos em vendas do que no número de instalações realizadas a nível mundial daqui a uns 10 ou 20 anos. E vão cobrar também por instalações de jogos pirateados? Dá que pensar.
E também dá que pensar aos produtores se querem continuar a usar o motor gráfico Unity para as suas produções. Há já apelos ao boicote, com alguns “Indies” a dizer que estão já a planear mudar para a concorrência. Obviamente, a Unity pode muito bem alterar estes planos, especialmente se o feedback for muito negativo. Mas, até à hora deste artigo, a sua posição continua inabalável.
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