Quando as reedições falham, Warcraft III: Reforged

W3R (2)

Desde há algum tempo que entrámos numa era de reedições, remakes, remasterizações e reboots. Parece que é mais viável para as produtoras recuperar clássicos para o hardware recente, que criar novos jogos nas suas franquias. E, em muitos casos, tem havido sucesso nesta opção comercial. Só que há excepções. E algumas são de enorme peso, como é o caso de Warcraft III: Reforged recentemente lançado pela Blizzard.

Não, não o analisámos e agora talvez percebamos porque é que a produtora não nos fez chegar este título. Warcraft III, assim como toda a série original de jogos de estratégia em tempo real (Real Time Strategy ou “RTS”), é um daqueles clássicos intemporais de um género que não tem recebido grandes inovações ao longo dos anos. Por isso, depois da Blizzard ter também lançado uma remasterização do primeiro StarCraft, ficámos muito entusiasmados com a perspectiva dos clássicos Warcraft regressarem nesta geração.

O anúncio não podia ser mais promissor em Novembro de 2018. O jogo teria um aumento de resolução, suportando 4K, personagens e objectos remodelados, melhorias no interface e no lendário editor de mapas e outros pormenores interessantes. Havia também planos para alinhar os locais e eventos da campanha com os de World of Warcraft, tentando também agradar à legião de fãs desse MMORPG. Também nessa altura, ficou prometido que quem tinha o Warcraft III original poderia continuar a jogá-lo (ficariam surpreendidos com a quantidade de jogadores que ainda o jogam), enquanto este jogo coexistiria numa versão separada, mas usando o mesmo “launcher”.

Todos estes planos serviriam para trazer o jogo para esta geração sem causar grande impacto de quase duas décadas de evolução técnica. E, mais importante, sem antagonizar fãs, dando a opção de jogar um jogo modernizado ou o clássico intocável. Aqui estava um jogo que prometia revitalizar visualmente um clássico de culto, alegadamente mantendo todas as mecânicas e lógicas de jogo com que nos viciaram no título de 2002. Nada mais se pedia de uma remasterização, certo?

Mas, algo correu mal (muito mal) com este (re)lançamento. Para começar, as mudanças visuais não foram assim tão profundas como o prometido. Apesar de muitos modelos e objectos terem sido realmente remodelados, há cedências que não fazem sentido. Como as animações das personagens com baixas taxas de fotogramas por segundo. Podem estar a jogar a 120FPS (ou mais) mas as animações de um modo geral parecem “slideshows” mal executados.

Também os mapas não foram assim tão profundamente remasterizados como o que foi dado a entender. E até mesmo as cenas intermédias não pareciam as que foram apresentadas originalmente, com novos planos mais cinematográficos e animações avançadas. Houve até quem tenha feito vídeos comparativos entre a demonstração de 2018 (acima) e o jogo actual, como o que apresentamos em baixo do utilizador GyLala. A ideia é que terá mesmo havido um “downgrade” inexplicável, tornando estas cenas intermédias virtualmente idênticas ao jogo de 2002.

A explicação da Blizzard não tardou. O motivo de ter retrocedido nas cenas intermédias, segundo um comentário no fórum oficial, prende-se com um intuito de “preservar o verdadeiro espírito de Warcraft 3”. O mesmo comentário menciona que as críticas de analistas e jogadores estão a ser tidas em conta, não só nas cenas intermédias como em outros pormenores. Também algumas novidades que ficaram de fora, como o tal prometido interface remodelado deverão ser adicionadas futuramente. Todas estas questões deverão ser abordadas nas próximas actualizações de título, segundo o comunicado. Fica a promessa… mais uma.

O que também não ajudou muito neste lançamento tão tremido, foi a carga aumentada nos servidores que ditaram falhas de acesso para milhares de jogadores, que simplesmente não podiam entrar no jogo. Esta é uma situação, entretanto, algo mitigada mas ainda se verificam algumas intermitências pontuais na ligação que certamente melhorarão também em futuras intervenções da produção.

E como se não bastasse todo este mau feedback, a Blizzard ainda perpetrou o “golpe” mais injusto de todos nos jogadores do clássico Warcraft III. Com o lançamento de Reforged, o lançador do novo jogo, que é comum ao clássico, removeu uma série de opções importantes, como a criação e gestão de clãs, torneios automáticos, jogabilidade em rede local e outras funcionalidades até agora disponíveis no jogo original de 2002. Até mesmo as campanhas personalizadas no jogo clássico deixaram de funcionar depois desta actualização.

No cerne destas omissões e falhas estarão os planos da Blizzard de integrar as campanhas e funcionalidades entre o jogo clássico e a versão Reforged. Funcionalidades, essas, que ainda não estão implementadas e farão parte das tais actualizações futuras. Só que, no imediato, simplesmente removê-las da versão clássica, é uma manobra algo precipitada e injusta para quem já joga Wacraft III há 18 anos.

E, algures, alguém também descobriu mais uma “bomba” nos termos de utilizador do novo editor do jogo. Ao que parece, a Blizzard anuncia no mesmo que todos os mapas e outro conteúdo criado nesta ferramenta “são da propriedade da Blizzard”, o que é uma autêntica “bofetada” virtual em todos os criadores de conteúdo e modders. Uma coisa é deter os direitos do jogo e também de utilização de mods associados. Outra, é deter a propriedade de tudo o que um jogador possa criar no jogo, algo que, corrijam-nos, parece não ter precedentes nesta indústria.

Recordamos que um quase esquecido mod para Warcraft III foi mesmo o percursor de uma nova era nos videojogos. Falamos de um “pequeno” mod chamado DOTA, que eventualmente trouxe à vida um tal de DOTA 2 e League of Legends… Lembram-se desses “joguitos desconhecidos”? Como essa manobra levou a uma acção judicial contra a Valve, é bem possível que a Blizzard queira agora salvaguardar-se de algo semelhante acontecer outra vez no futuro. No entanto, colocar todos os modders sob suspeita de algo deste género, parece-nos um tanto desajustado.

Por tudo isto, a produção está a ser acusada de “publicidade enganosa” e também de descaracterização do jogo clássico. Por enquanto, o novo jogo tem tido análises a roçar o mediano mas os jogadores têm sido bem mais implacáveis na sua crítica, sem dar tréguas à Blizzard. Não bastava a polémica de alegada censura interna e contra jogadores de eSports, algo que já falámos aqui e que talvez tenha piorado a avaliação geral do jogo.

Os incríveis 0.5 de pontuação dos jogadores no Metacritic (acima) são evidência de que a Blizzard falhou completamente o alvo com esta reedição de um clássico. Mesmo que este valor seja fruto de algum activismo paralelo, a insatisfação geral é inegável e atingiu dimensões desproporcionais. Chegou a tal ponto, que a produtora e editora está mesmo a emitir reembolsos imediatos e sem condições via Battle.net a quem se sentir lesado.

Este é também um bom exemplo de que nem sempre as reedições de grandes clássicos funcionam como o pretendido. Sobretudo quando a produção parece perder o rumo ou não age de forma concisa com as suas promessas de revitalização. E quando os remakes, remasters e afins funcionam, são sempre resultado de muito trabalho de cuidado com o material original, serviço aos fãs e, acima de tudo, evitam estragar o seu legado com decisões desajustadas.

Às vezes, é melhor deixar os clássicos de culto na prateleira, onde nunca vão deixar de nos dar boas memórias.

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